Entenda como as apostas online estão afetando o acesso à faculdade no Brasil — e por que esse tema importa para quem vai fazer o Enem.

Nos últimos anos, o Brasil vem vivendo um cenário curioso: nunca foi tão fácil se conectar à internet — mas, ao mesmo tempo, essa conectividade tem cobrado um preço alto. Um dos fenômenos que mais crescem é o das apostas online, conhecidas como bets. Elas estão por toda parte: em propagandas, jogos de futebol, perfis de influenciadores… e, agora, nos bolsos (e nos boletos) de milhares de jovens.
Uma pesquisa feita pela Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior), em parceria com a Educa Insights, trouxe um dado alarmante: 34% dos jovens brasileiros adiaram a entrada na faculdade em 2025 por conta de gastos com apostas online, incluindo o famigerado “jogo do tigrinho”.
Ao mesmo tempo, dados da SimilarWeb mostram que as plataformas de apostas já são o segundo destino mais acessado da internet no país, ficando atrás apenas do Google e superando redes como YouTube, WhatsApp e Instagram. Ou seja, além de ocupar espaço na vida digital, o vício em apostas também está consumindo tempo, dinheiro e atenção — justamente o que muitos estudantes precisam para entrar e se manter na universidade.
Neste texto, vamos conversar sobre o impacto real das bets no presente e no futuro da educação no Brasil. Quais são os perfis mais afetados? O que está por trás desse fenômeno? Existe solução? Vem com a gente entender esse cenário que parece só uma distração, mas já virou um problema de saúde pública, economia e desigualdade social.
Os números alarmantes da educação
A pesquisa da Abmes ouviu mais de 11 mil jovens entre 18 e 35 anos e revelou que esse impacto não é distribuído igualmente pela sociedade. Os dados mostram uma clara correlação entre vulnerabilidade socioeconômica e maior exposição ao problema:
- Nordeste: 44% dos jovens adiaram a graduação
- Classes D e E (renda média de R$ 1.000): 43% precisarão interromper gastos com bets para conseguir entrar na universidade em 2026
- Classe A (renda média de R$ 26,8 mil): apenas 22% foram afetados
Essa disparidade revela algo preocupante: quanto menor a renda, maior a tendência de trocar o investimento em educação por uma promessa (geralmente ilusória) de dinheiro fácil nas apostas.
O problema não se limita apenas a quem ainda não entrou na universidade. Entre estudantes que já estão cursando o ensino superior, 14% admitiram ter atrasado mensalidades ou trancado a faculdade por causa do vício em apostas. No Nordeste, esse índice sobe para 17%.
As estimativas são ainda mais impactantes: quase 1 milhão de estudantes podem ficar fora da faculdade só em 2025 por conta dos gastos com apostas, segundo a Abmes. Outra projeção, da Educa Insights, aponta para mais de 1,4 milhão de jovens afetados.
O domínio digital das apostas
Para entender como chegamos a esse ponto, é fundamental analisar como as apostas online dominaram o cenário digital brasileiro. Segundo dados da plataforma SimilarWeb, os sites de apostas já são o segundo destino mais acessado da internet no Brasil, perdendo apenas para o Google e superando plataformas como YouTube, WhatsApp, TikTok, Facebook e Instagram.
No último trimestre de 2024, os sites de bets registraram mais de 4,4 bilhões de visitas no Brasil, com 133 milhões de usuários únicos por mês. Isso representa um crescimento de mais de 60% em apenas um ano – e esses números consideram apenas as 193 operadoras legalizadas.
Como as apostas cresceram tão rapidamente?
Marketing agressivo: O setor investiu pesadamente em publicidade, patrocínios esportivos e parcerias com influenciadores. Apostar passou a ser visto como algo comum, divertido e até glamouroso.
Facilidade de acesso: Com a liberação das apostas nas lojas de aplicativos, basta alguns cliques no celular para estar dentro de uma plataforma de apostas.
Promessa sedutora: A ideia de dinheiro fácil e rápido funciona como um ímã, especialmente num país com alta desigualdade econômica.
Represamento histórico: Os jogos de azar estavam proibidos no Brasil desde 1948. Quando a regulamentação mudou, a demanda reprimida explodiu.
A ilusão do dinheiro fácil e suas consequências
Muitos jovens começam a apostar pensando que é diversão ou até “investimento”. Uma pesquisa da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) mostrou que 22% dos apostadores acham que estão “investindo” quando apostam. Porém, especialistas são claros: bets não são investimento, são jogos de azar.
Os efeitos negativos aparecem rapidamente:
- 42% dos apostadores frequentes estão endividados, com contas atrasadas há mais de 90 dias
- 81% dos universitários já apostaram, e 42% deles têm problemas financeiros por causa disso
- 51% dos apostadores relatam mais sintomas de ansiedade
- 42% usam o jogo como fuga das dificuldades cotidianas
Além do dinheiro, as bets também consomem tempo e energia que poderiam ser investidos em outras atividades. A pesquisa mostrou que 24% dos jovens deixaram de investir em atividades físicas e 28% abriram mão do lazer para priorizar as apostas.
O vício precoce
Um dos aspectos mais preocupantes é o início cada vez mais precoce do hábito. Dados do Unicef mostram que 22% dos adolescentes fizeram sua primeira aposta com 11 anos ou menos. Aos 12 anos, esse número sobe para 78%.
Os atendimentos por ludopatia (vício em jogos) no SUS dispararam de 108 casos em 2018 para 1.200 em 2023 – um crescimento de mais de 1.000%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece o vício em jogos como uma doença, e estima-se que cerca de 2 milhões de brasileiros já sofram com isso.
A resposta do estado: regulamentação e proteção

Diante desse cenário, o governo brasileiro criou a Lei 14.790/2023, que regulamenta as apostas esportivas online. A lei entrou em vigor em 1º de janeiro de 2025 e estabelece regras importantes:
Medidas obrigatórias:
- Identificação por CPF e reconhecimento facial
- Depósitos e saques apenas por contas bancárias no nome do apostador
- Empresas devem ter sede no Brasil e usar domínios “.bet.br”
- Participação em organismos de monitoramento da integridade esportiva
Proibições:
- Usar dinheiro vivo, boleto ou crédito para apostar
- Bônus de entrada
- Apostas em jogos com menores de 18 anos
- Propagandas que prometam ganhos garantidos ou apresentem apostas como solução financeira
Empresas que operam sem licença podem ser multadas em até R$ 2 bilhões.
Tratamento e prevenção
Criar regras para empresas é apenas o primeiro passo. É essencial cuidar de quem já foi afetado pelo vício através de educação, prevenção e tratamento:
- Projeto de Lei 4583/2024: propõe a criação de um Programa Nacional de Apoio a Pessoas com Transtorno de Jogo, usando a estrutura do SUS
- Campanhas de conscientização em escolas e unidades de saúde
- Grupos de apoio como Jogadores Anônimos (JA), que oferecem suporte em reuniões presenciais e online
No entanto, a rede pública de saúde ainda não está preparada para a demanda crescente. É necessário investir em políticas públicas, atendimento psicológico e suporte contínuo às famílias afetadas.
Por que esse tema importa para o Enem — e para o seu futuro
Falar sobre bets vai muito além de discutir um hábito digital ou um passatempo perigoso. Essa discussão toca em questões sociais profundas, como:
- o acesso desigual à educação,
- a influência das tecnologias digitais no comportamento dos jovens,
- a priorização do consumo e da ilusão de enriquecimento rápido,
- e o desmonte de planos de longo prazo, como a formação acadêmica.
Todos esses aspectos estão diretamente conectados a temas que costumam aparecer nas redações do Enem e em questões de Ciências Humanas, como:
- Desigualdade social e educacional no Brasil
- Impactos da tecnologia e da internet na vida cotidiana
- Juventude, saúde mental e vulnerabilidade social
- O papel do Estado e das políticas públicas na proteção da população
Além disso, esse é um tema urgente e atual, presente nos noticiários, nas redes sociais e no dia a dia de milhões de brasileiros. Saber refletir sobre ele com senso crítico, embasamento e repertório te diferencia como estudante — e como cidadão.
Ao se aprofundar nesse debate, você amplia sua visão sobre os desafios da sociedade brasileira e desenvolve argumentos sólidos para usar em qualquer situação que envolva consumo digital, educação, saúde mental, juventude e políticas públicas.