Aulas gratuitas. Escolha sua matéria:

Por que as autoescolas não são mais obrigatórias no Brasil?

Por que as autoescolas não são mais obrigatórias no Brasil?

Entenda por que o Brasil acabou com a obrigatoriedade das autoescolas, o que muda na CNH e como a reforma pode impactar o trânsito.

No dia 1º de dezembro de 2025, algo histórico aconteceu no Brasil: o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) aprovou por unanimidade uma resolução que acaba com a obrigatoriedade de passar por autoescolas para tirar a CNH. A proposta passou por uma consulta pública de 30 dias, recebeu mais de 70 mil contribuições e foi aprovada por unanimidade.

Estamos falando de uma das maiores transformações no sistema de habilitação das últimas décadas. É exatamente o tipo de pauta que aparece em questões de atualidades e pode enriquecer seu conhecimento sobre o Brasil contemporâneo.

O cenário que levou à mudança

Antes de entender o que mudou, você precisa conhecer os números que explicam por que essa reforma aconteceu:

  • 20 milhões de brasileiros já dirigem sem habilitação
  • Mais 30 milhões têm idade para ter CNH mas não possuem o documento
  • O custo do processo pode chegar até R$ 5 mil
  • Um brasileiro tira a primeira carteira em média aos 25 anos (homens) ou 27 anos (mulheres)

Em alguns estados brasileiros, 70% das pessoas que têm moto registrada no CPF não possuem CNH. Isso mesmo, 7 em cada 10 donos de moto estão dirigindo ilegalmente.

O ministro dos Transportes, Renan Filho, foi direto ao explicar a motivação: “O Brasil tem milhões de pessoas que querem dirigir, mas não conseguem pagar. Baratear e desburocratizar a obtenção da CNH é uma política pública de inclusão produtiva, porque habilitação significa trabalho, renda e autonomia.”

O que mudou na prática?

Fim da obrigatoriedade das autoescolas

Autoescolas questionam obrigatoriedade de apenas 2 horas de aulas práticas, contra 20h anteriormente. (Foto: Reprodução)

Durante décadas, o caminho era sempre o mesmo: quer tirar carteira? Precisa contratar uma autoescola. Não tinha escolha, não tinha alternativa. Era um sistema de monopólio regulamentado pelo Estado.

Agora, a resolução retira essa obrigatoriedade. As autoescolas continuam existindo e você ainda pode escolher uma se quiser, mas elas deixam de ser o único caminho possível.

Antes:

  • 20 horas de aula prática obrigatórias em autoescola
  • 45 horas de aula teórica presencial
  • “Pacote fechado” sem possibilidade de escolha

Agora:

  • Apenas 2 horas de aula prática obrigatória (mínimo regulamentar)
  • Teoria pode ser feita online gratuitamente
  • Pode escolher entre autoescola ou instrutor autônomo credenciado
  • Pode usar o próprio veículo nas aulas e na prova, desde que equipado adequadamente

A democratização pelo digital

A resolução prevê curso teórico gratuito e digital oferecido pelo Ministério dos Transportes. A abertura do processo pode ser feita online, direto no site da Senatran ou pelo aplicativo Carteira Digital de Trânsito.

Isso elimina a necessidade de se deslocar até uma autoescola física, o que é especialmente importante para quem mora em cidades menores ou tem dificuldade de mobilidade.

O Instrutor Autônomo Credenciado

A grande novidade é a figura do Instrutor Autônomo Credenciado (IAC). Mas atenção: não é qualquer pessoa que pode ensinar. O sistema tem requisitos rígidos para garantir a profissionalização:

Exigências para ser instrutor:

  • Idade mínima de 21 anos
  • Ensino médio completo
  • Dois anos de habilitação na categoria que vai ensinar
  • Curso de formação específica para instrutores
  • Ausência de infrações gravíssimas nos últimos 12 meses
  • Credenciamento pelo Detran estadual
  • Comunicação prévia de todas as aulas ao Detran

A promessa polêmica: 80% mais barata?

O governo projeta que o custo para obtenção da CNH pode cair em até 80%. Mas essa é a parte mais controversa da reforma.

O cálculo do governo: A redução viria da eliminação da obrigatoriedade das 20 horas de aula prática e da oferta de formação teórica gratuita online. Como as aulas representariam cerca de 77% do custo total, eliminá-las reduziria drasticamente o valor final.

O problema apontado pelos críticos: Cerca de 50% do custo total da CNH são taxas fixas do Detran, exames médicos e psicológicos que continuam obrigatórios. Essas despesas não mudam com a nova lei. Por isso, matematicamente, a redução de 80% no custo total é questionada.

Exemplo: se antes você pagava R$ 4.000 (sendo R$ 2.000 de taxas fixas e R$ 2.000 de aulas), mesmo que as aulas fiquem muito mais baratas ou você faça apenas o mínimo, ainda vai gastar os R$ 2.000 das taxas. A economia seria de 40-50%, não 80%.

As críticas do setor

As associações de autoescolas, especialmente a Feneauto (Federação Nacional das Autoescolas), têm criticado duramente a reforma. Vale entender os argumentos:

Segurança no trânsito em risco

A Feneauto afirma que reduzir a carga prática de 20 para 2 horas pode comprometer seriamente a segurança viária. O argumento é que eliminar a exigência de aulas abre uma “lacuna crítica” na formação.

Segundo a entidade, tratar a aprendizagem da direção como algo que pode ser adquirido de forma autônoma ou com instrutores avulsos, sem garantia de um currículo completo e fiscalizado, seria uma “visão ingênua” sobre a complexidade de dirigir com segurança.

Impacto econômico e social

O setor argumenta que a medida pode resultar em uma crise econômica para o segmento, que emprega cerca de 300 mil trabalhadores em 15 mil empresas no país.

A reação no Congresso Nacional

A mudança também gerou reação política. O deputado Dagoberto Nogueira (PSDB-MS) apresentou o Projeto de Lei 5358/2025, que propõe tirar do CONTRAN o poder de fazer alterações nas regras de formação de condutores por meio de resoluções administrativas.

O PL propõe que apenas o Congresso Nacional, por meio de lei federal, possa definir essas regras. É uma disputa sobre quem tem o poder de regular o sistema de habilitação no Brasil.

A questão do duplo comando

Uma exigência fundamental que não mudou: o veículo usado nas aulas práticas precisa estar equipado com duplo comando – pedais extras (freio e embreagem) do lado do instrutor para intervenção em emergências.

Isso significa três coisas importantes:

  1. Segurança garantida: O instrutor pode intervir imediatamente se o aluno cometer um erro grave.
  2. Profissionalização mantida: Impede que qualquer pessoa ensine no carro da família sem adaptação adequada.
  3. Custo real para instrutores autônomos: O profissional precisa investir na adaptação do veículo ou comprar um já adaptado.

Esse último ponto é relevante: o custo de adaptação veicular é um dos motivos pelos quais especialistas questionam se a redução de preços será tão significativa quanto prometido.

A inspiração internacional

O modelo se inspira em sistemas de países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Paraguai e Uruguai, onde a formação de motoristas é mais flexível.

Nesses países, o foco está em exames finais rigorosos aplicados pelo Estado, não necessariamente em uma carga horária obrigatória em instituições monopolistas. O candidato tem mais autonomia para escolher como se preparar.

Os riscos sociais da reforma

Aqui está o ponto mais delicado do debate: a flexibilização pode ampliar desigualdades na qualidade da formação.

Cenário de risco 1 – Falsa economia: Candidato faz apenas as 2 horas mínimas → Vai mal preparado ao exame → Reprova → Paga novas taxas de exame → No fim, gastou mais do que economizou.

Cenário de risco 2 – Motorista despreparado: Candidato faz só as 2 horas → Por sorte, passa no exame → Entra no trânsito sem preparo adequado → Aumenta riscos de acidentes.

Cenário de risco 3 – Aprofundamento da desigualdade: Quem tem mais recursos e consciência faz várias aulas e se prepara bem. Quem está desesperado por trabalho e tem pouco dinheiro faz o mínimo possível. Resultado: níveis muito diferentes de preparo entre motoristas.

Pesquisas brasileiras já mostram que motoristas com ensino superior têm maior percepção sobre causas de acidentes e melhor conhecimento sobre legislação de trânsito. Isso sugere que o novo modelo pode funcionar melhor para quem tem mais escolaridade e autodisciplina, e pior para quem tem menos acesso à educação formal.

A dimensão social

É importante entender que muitos dos 20 milhões que dirigem sem CNH não o fazem por irresponsabilidade, mas por impossibilidade financeira.

São entregadores de aplicativo, motoboys, motoristas que precisam trabalhar para sustentar a família. São pessoas de cidades pequenas onde não há emprego sem veículo próprio. São trabalhadores rurais que precisam se deslocar longas distâncias.

O argumento central do governo é que, ao baratear o processo, essas pessoas conseguiriam se regularizar. E isso, em teoria, tornaria o trânsito mais seguro porque mais gente teria passado por exames e teria um documento que pode ser suspenso ou cassado em caso de infrações graves.

O debate sobre o modelo de desenvolvimento

Por trás dessa reforma, há uma discussão mais ampla sobre o papel do Estado na economia:

Visão liberalizante (governo): O Estado não deve manter monopólios artificiais que encarecem serviços essenciais. A concorrência entre autoescolas e instrutores autônomos reduziria preços naturalmente. O foco deve estar em exames rigorosos, não em controle do processo de preparação.

Visão regulacionista (setor de autoescolas): Serviços que afetam a segurança coletiva precisam de regulação rígida e padronização. A formação uniformizada garante um piso mínimo de qualidade. A “concorrência” em algo tão sensível quanto aprender a dirigir pode comprometer a segurança.

Esse debate reflete tensões maiores sobre o papel do Estado, regulação de mercados e equilíbrio entre liberdade individual e proteção coletiva.

Políticas de inclusão produtiva

Essa reforma faz parte de um movimento maior de políticas públicas voltadas para facilitar o acesso ao mercado de trabalho, especialmente para populações de baixa renda.

A CNH é vista não apenas como um documento de habilitação, mas como um instrumento de inclusão produtiva. Sem carteira de motorista, milhões de brasileiros ficam impedidos de trabalhar em atividades que exigem direção – e essas atividades frequentemente são as únicas disponíveis em determinadas regiões ou contextos.

O ministro dos Transportes, Renan Filho, tem enfatizado especialmente o problema da formação de caminhoneiros: “O caminhoneiro virou uma profissão de pessoas mais velhas no país, infelizmente”. A dificuldade e o alto custo para obter categorias profissionais (C, D, E) estão criando um gargalo no setor de transporte de cargas e passageiros.

A reforma também facilita a obtenção dessas categorias profissionais, permitindo que os serviços sejam realizados por autoescolas ou outras entidades, ampliando as opções.

Por que isso é importante para você?

Além da preparação para o Enem, como estudante atento às mudanças do Brasil, você precisa conhecer essa reforma porque ela exemplifica várias dinâmicas importantes da política pública brasileira contemporânea:

1. Tensão entre Estado e Mercado: O debate sobre até onde o Estado deve regular e onde deve permitir liberdade de escolha.

2. Desigualdade e acesso: Como políticas públicas podem ampliar ou reduzir barreiras para populações vulneráveis.

3. Conflito de interesses: A disputa entre interesses econômicos estabelecidos (autoescolas) e demandas por mudança.

4. Segurança versus acessibilidade: O dilema entre garantir qualidade/segurança e facilitar acesso/reduzir custos.5. Implementação de políticas: A diferença entre aprovar uma reforma e efetivamente implementá-la com fiscalização adequada.

Quer saber mais?

Entre no canal de WhatsApp do Curso Enem Gratuito! Lá, você recebe dicas exclusivas, resumos práticos, links para aulas e muito mais – tudo gratuito e direto no seu celular. É a chance de ficar por dentro de tudo o que rola no curso e não perder nenhuma novidade.

Clique aqui para participar!

Luana Santos

Jornalista formada pela UFSC e redatora da Rede Enem
Encontrou algum erro? Avise-nos para que possamos corrigir.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Sisugapixel