Leis abolicionistas: lei do Ventre Livre e dos Sexagenários

Saiba mais sobre o contexto histórico, as características e os impactos das leis abolicionistas do Ventre Livre e dos Sexagenários, ambas assinadas em 28 de setembro, porém em anos diferentes.

Alguém realmente nasce escravo?“. Essa era uma das questões centrais levantadas pelo jornal recifense A Luz, que, entre 1873 e 1874, publicou uma série de editoriais criticando as ações consideradas insuficientes em relação às leis abolicionistas no Brasil.

No dia 28 de setembro, duas delas fazem aniversário: a Lei dos Sexagenários e a Lei do Ventre Livre. Embora frequentemente citadas como marcos históricos, essas legislações, assinadas em anos distintos, precisam ser analisadas de forma crítica. 

Elas fazem parte de um conjunto de leis que precederam a Lei Áurea, promulgada em 1888, mas, na prática, deixaram lacunas e contradições que perpetuaram a exploração e a exclusão das pessoas escravizadas. 

Acompanhe a leitura para entender mais sobre as leis abolicionistas no Brasil. 

Lei do Ventre Livre

A Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871, determinava que todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir daquela data seriam considerados livres. 

Parecia um avanço, mas essa liberdade não era plena. As crianças nascidas sob a lei permaneciam sob tutela dos senhores até completarem 21 anos. 

Nesse período, seus serviços eram explorados, muitas vezes de maneira tão intensa quanto os dos próprios escravizados. A intenção de garantir uma transição gradual para o fim da escravidão se mostrou insuficiente, já que a maioria dos senhores utilizava os jovens como força de trabalho gratuita até a idade adulta. 

Muitos recorriam à venda dessas crianças antes de atingirem a maioridade, o que prolongava a exploração e a manutenção da escravidão em outras formas.

A Lei do Ventre Livre, embora vista como uma lei abolicionista, não oferecia proteção total às crianças nascidas de mulheres escravizadas. Sua implementação foi limitada, e a escravidão continuou a marcar as vidas de muitos desses “libertos” que, na prática, permaneciam presos a um sistema opressor.

Lei dos Sexagenários

A Lei dos Sexagenários, também conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe, foi promulgada em 28 de setembro de 1885, e concedia liberdade aos escravizados com 60 anos ou mais. 

No entanto, a expectativa de vida de uma pessoa escravizada no Brasil do século XIX era extremamente baixa, sendo raro que alguém chegasse aos 60 anos. 

A lei ainda previa que os senhores receberiam indenizações pelos escravizados libertados, o que reforçava o caráter econômico da escravidão e limitava o impacto real da medida.

Para quem atingia essa idade, a liberdade chegava tarde demais, quando a capacidade de trabalho já estava comprometida, e a maioria não tinha recursos para sobreviver de forma independente. 

A Lei dos Sexagenários não oferecia assistência ou amparo a essas pessoas, deixando-as em situações de extrema vulnerabilidade. Assim, a lei serviu mais como uma medida para aliviar as pressões abolicionistas do que como uma verdadeira ação para a liberdade dos escravizados.

Leia também: Resumo da Escravidão, Resistência, Abolição e Racismo no Brasil

Comparação entre as duas leis abolicionistas 

Ambas as leis abolicionistas representaram um passo em direção à abolição da escravidão, mas eram marcadas por um caráter gradual e por interesses políticos que visavam proteger os interesses da elite agrária.

É importante ressaltar que essas leis não foram suficientes para acabar com a escravidão no Brasil. 

A abolição definitiva só ocorreu com a promulgação da Lei Áurea, em 1888, resultado de um conjunto de fatores, como a pressão abolicionista, a crise econômica e a resistência escrava.

CaracterísticaLei do Ventre LivreLei dos Sexagenários
BeneficiáriosFilhos de mulheres escravizadas nascidos a partir de 1871Escravos com 60 anos ou mais
Objetivo Redução gradual do número de escravosDiminuição da pressão abolicionista e dos custos de manutenção
Consequência Liberdade futura para os nascidos livresLiberdade imediata para um grupo específico
Impactos Redução gradual da mão de obra escravaPouco impacto na estrutura escravista

Leis para inglês ver: contexto e impactos

As duas leis abolicionistas foram promulgadas durante um período de intensos debates sobre o fim da escravidão, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. 

Na segunda metade do século XIX, o Brasil era um dos poucos países do mundo que ainda mantinha a escravidão como base de sua economia. Pressões internacionais, especialmente da Inglaterra, que já havia abolido a escravidão em seus domínios, eram constantes. A crescente mobilização abolicionista interna também começou a ganhar força.

As leis do Ventre Livre e dos Sexagenários surgiram nesse contexto de tentativas de apaziguar a sociedade e responder às demandas internacionais, sendo frequentemente chamadas de “leis para inglês ver”. 

No entanto, seu impacto prático na vida dos escravizados foi limitado. Em vez de uma libertação imediata e plena, essas medidas contribuíram para prolongar a transição e adiar a abolição definitiva.

Crise econômica e gradualismo

A escravidão, embora ainda fosse uma das bases da economia, já mostrava sinais de esgotamento. O sistema escravista gerava desigualdade social e impedia a modernização das relações de trabalho. 

As elites econômicas e políticas temiam a desorganização social e econômica com a abolição súbita da escravidão, preferindo um processo gradual de transição.

Entretanto, o gradualismo foi uma estratégia que prolongou o sofrimento das pessoas escravizadas. 

Ao invés de promover uma libertação imediata, as leis abolicionistas, como a do Ventre Livre e a dos Sexagenários, adiaram a liberdade total e mantiveram as relações de exploração. 

Esse processo gradual também mascarou a ausência de políticas públicas voltadas para a integração social e econômica dos ex-escravizados.

Lacunas, contradições e resistência escrava

Tanto a Lei do Ventre Livre quanto a Lei dos Sexagenários apresentavam lacunas e contradições que dificultavam sua efetividade. 

Apesar das promessas de liberdade, ambas mantinham os escravizados presos a um sistema de exploração. 

Sem indenizações, terra, ou apoio social e político, muitos tiveram que buscar formas de sobrevivência em uma sociedade que ainda os marginalizava.

A resistência escrava, entretanto, sempre esteve presente, desde fugas até a organização de quilombos e revoltas, pressionando pela libertação plena e imediata.

Caminho para a Lei Áurea

As leis abolicionistas culminaram com a abolição da escravidão, ratificada pela Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. 

Embora essa lei tenha oficialmente extinguido a escravidão no Brasil, ela não oferecia medidas que garantissem a integração dos ex-escravizados na sociedade. 

A libertação não veio acompanhada de medidas para assegurar que homens e mulheres negros tivessem condições de reconstruir suas vidas com dignidade e oportunidades. O conceito de liberdade trazido pela abolição não estava associado à igualdade social, econômica ou política.

Não houve nenhuma compensação financeira para os libertos, tampouco políticas de inclusão social. 

Assim, homens e mulheres negros, libertos pela Lei Áurea, precisaram continuar lutando por dignidade e sobrevivência. Muitos foram obrigados a continuar trabalhando nas mesmas fazendas, agora como trabalhadores assalariados, porém em condições de trabalho quase tão precárias quanto as anteriores. 

A abolição da escravidão, portanto, trouxe liberdade no papel, mas não eliminou as desigualdades estruturais que impediam a ascensão social da população negra.

Essa realidade teve impacto direto na urbanização do país. Sem acesso à terra ou a empregos qualificados, muitos negros migraram para as cidades em busca de trabalho, formando as primeiras favelas. 

A falta de políticas públicas consolidou um ciclo de marginalização, pobreza e exclusão social que persiste até hoje, visível nas disparidades de renda, moradia e educação que afetam a população negra. 

Conhecer as leis abolicionistas, como a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários é fundamental para refletirmos sobre o passado do país e como ele influencia o presente. 

O caminho para a verdadeira igualdade é longo e complexo, e depende do reconhecimento e da correção das injustiças históricas que continuam a moldar as relações sociais e raciais no Brasil hoje.

Melina Zanotto

Melina Zanotto é Jornalista, formada pela Universidade de Caxias do Sul em 2007. De lá para cá, sempre atuou com conteúdo digital em seus mais diversos formatos. Hoje, é redatora da Rede Enem, produzindo textos para o Blog do Enem e Curso Enem Gratuito.
Categorias: Educação, Enem, Ensino Médio, História
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