Altos e baixos das redes sociais ajudam a refletir sobre temas como privacidade, vício e desinformação na redação do Enem.

O mundo digital vive de altos e baixos. Enquanto o Orkut tenta ressurgir das cinzas com uma proposta de resgatar conexões mais humanas, o Skype — que já foi sinônimo de chamadas de vídeo — foi oficialmente descontinuado. Esses dois movimentos mostram como o ambiente virtual é dinâmico: redes sociais surgem, bombam e, de repente, somem. Mas o que isso tem a ver com o Enem?
Tudo. A tecnologia e as redes deixaram de ser apenas ferramentas e se tornaram parte da estrutura do nosso cotidiano. Não é à toa que temas como privacidade, fake news, bolhas informacionais, exclusão digital e saúde mental aparecem com frequência nas provas. E a redação do Enem valoriza quem consegue pensar criticamente sobre isso, analisando o impacto dessas transformações no comportamento, nas relações e nas estruturas sociais.
Se você quer ir bem na prova, precisa mais do que saber usar redes: precisa entender como elas moldam o mundo em que vivemos — e por que umas sobrevivem enquanto outras desaparecem.
A tecnologia como eixo transversal no Enem
A presença da tecnologia nas provas do Enem não é coincidência — ela reflete o papel central que as redes, os dispositivos e os dados desempenham no nosso cotidiano. Questões envolvendo inclusão digital, algoritmos, privacidade, saúde mental, desinformação e dependência de telas já apareceram em várias edições, seja nas perguntas objetivas ou como tema da redação. Isso acontece porque, além de avaliar o domínio da escrita, o exame espera que o estudante seja capaz de interpretar os desafios contemporâneos de forma crítica e fundamentada.
Dentro desse contexto, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são vistas como um eixo transversal, ou seja, um assunto que atravessa vários campos: ética, comportamento, política, educação, economia. Não basta conhecer os efeitos da tecnologia — é preciso compreender como ela molda relações, influencia decisões e transforma hábitos sociais. Ter esse olhar mais atento permite que o estudante vá além do senso comum e construa argumentos relevantes e produtivos, especialmente nas competências 2 (repertório sociocultural) e competência 3 (coerência e coesão) da redação.
Orkut: o começo da conexão digital no Brasil (e o que você pode tirar disso pra redação)
Lançado em 2004 por um engenheiro turco chamado Orkut Büyükkökten, o Orkut bombou no Brasil e na Índia e foi o primeiro contato de muita gente com o mundo das redes sociais. Ele tinha comunidades temáticas, depoimentos carinhosos, a famosa função “quem visitou seu perfil”, uma vibe bem diferente das plataformas de hoje.
A experiência no Orkut era muito diferente do que vemos hoje: havia menos algoritmos e mais interações diretas. Os usuários moldavam seus perfis com HTML colorido, participavam de fóruns temáticos e mantinham uma comunicação mais pessoal e menos automatizada. É por isso que muitos descrevem essa época como mais “humana” ou “autêntica”, com menos filtros e mais vínculos reais.
Esse tipo de comparação pode render bons argumentos na redação do Enem: o estudante pode, por exemplo, analisar como a transição para redes atuais — marcadas por feeds infinitos, monetização da atenção e métricas de popularidade — afeta a saúde mental, a espontaneidade e até a privacidade do usuário.
O caso do Orkut também ajuda a pensar a obsolescência digital. Seu declínio, que culminou no encerramento em 2014, mostra como as plataformas precisam se reinventar para sobreviver: o Facebook, com sua interface mais moderna e controles de privacidade mais eficazes, ganhou espaço rapidamente.
Além disso, o Google — dono da plataforma — perdeu o interesse nela e passou a investir em outros produtos, como o YouTube e o falecido Google+. O criador do Orkut, aliás, chegou a dizer que a internet virou um lugar tóxico e competitivo — por isso criou um novo app chamado Hello, tentando resgatar o espírito da velha rede.
Para o Enem, essa trajetória é útil para discutir a efemeridade das tendências digitais, o papel dos algoritmos e a forma como as redes moldam o comportamento humano a partir de seus interesses comerciais.
O fim do Skype e a lógica da inovação constante

Antes dos áudios de WhatsApp, das reuniões no Google Meet ou das lives no Instagram, o Skype era sinônimo de chamada por vídeo. Criado em 2003, o aplicativo revolucionou a comunicação à distância, permitindo que amigos, casais, estudantes e profissionais conversassem “cara a cara” pela internet — e de graça. Em pouco tempo, virou ferramenta essencial em casas, lan houses, empresas e até consultórios. Seu uso aumentou ainda mais com a globalização e a expansão da internet, conectando pessoas em diferentes fusos e continentes.
Mas, em 2024, a Microsoft anunciou o fim definitivo da plataforma. O motivo? A chegada de ferramentas mais rápidas, integradas, versáteis — como Zoom, Google Meet e o próprio Microsoft Teams.
O caso do Skype também ilustra como as empresas moldam nossos hábitos digitais. Quando plataformas decidem quais recursos vão manter, integrar ou abandonar, elas influenciam diretamente como nos relacionamos, estudamos, trabalhamos. No fundo, o fim do Skype não é apenas sobre uma ferramenta que deixou de funcionar, mas sobre como a tecnologia cria e desfaz rotinas com muita rapidez — um ponto-chave para reflexões sobre autonomia, dependência digital e mudanças culturais.
Os desafios contemporâneos das redes sociais: o que o Enem quer saber com isso?
As redes sociais, que nasceram com a proposta de aproximar pessoas, se tornaram hoje uma das maiores fontes de preocupação quando o assunto é privacidade, saúde mental, desinformação e consumismo.
Esses temas aparecem com frequência no Enem porque envolvem dilemas éticos, sociais e culturais do mundo contemporâneo. Ou seja: falar de tecnologia não é mais só comentar sobre novidades — é entender como ela afeta a vida real, as relações humanas e até a democracia.
Privacidade e coleta de dados
A maioria dos usuários não faz ideia da quantidade de dados que entrega todos os dias ao curtir um post, assistir um vídeo ou usar um app. Plataformas como Instagram, TikTok e YouTube rastreiam preferências, localização, tempo de uso — tudo isso é transformado em lucro através de anúncios direcionados.
Essa lógica, conhecida como “capitalismo de vigilância”, foi amplamente criticada por estudiosos como Shoshana Zuboff e Jaron Lanier. Ela levanta questões sérias: até que ponto temos autonomia? Existe liberdade de escolha se o que vemos já foi filtrado para nos influenciar?
Fake news, bolhas e deepfakes
Outro problema urgente é o da desinformação. Com o uso de algoritmos, as redes sociais tendem a mostrar mais do que a gente já gosta ou concorda. Isso cria as chamadas bolhas de filtro, que dificultam o contato com ideias diferentes e estimulam a polarização. Além disso, as fake news — muitas vezes distribuídas de forma proposital para manipular opiniões — ameaçam debates democráticos e eleições. Tecnologias como os deepfakes (vídeos falsos, mas realistas) pioram ainda mais o cenário, levantando discussões sobre a urgência de uma educação digital crítica.
Ansiedade, vício e “brain rot”
O uso excessivo das redes sociais também está ligado ao aumento da ansiedade, da baixa autoestima e da fadiga mental — especialmente entre os jovens. A busca por likes e validação constante, somada à comparação com padrões irreais de vida e beleza, cria um ambiente tóxico. O termo “brain rot” (literalmente “apodrecimento cerebral”), eleito palavra do ano de 2024 pelo Oxford Dictionary, define esse fenômeno de forma direta: o consumo constante de conteúdos superficiais reduz a capacidade de foco, criatividade e pensamento crítico.
Influencers, consumismo e o espetáculo da vida online
Por fim, é impossível ignorar o papel dos influenciadores digitais na cultura de consumo. Redes sociais como TikTok e Instagram se tornaram vitrines de produtos, estilos de vida e marcas — e muita gente compra mais pelo feed do que por necessidade real.
O problema é que isso transforma a vida cotidiana em um espetáculo comercial, como alertava o filósofo Guy Debord já nos anos 1960. A mistura entre entretenimento e publicidade também pode ser usada para discutir pressões sociais, padrões inalcançáveis e identidade na era digital, temas que dialogam com a juventude e aparecem com frequência no ENEM.
Sugestões de repertório sociocultural para o Enem
Problemática | Explicação | Repertório Sociocultural Sugerido |
Privacidade e Controle de Dados | Coleta massiva de dados pessoais, vigilância algorítmica, falta de controle do usuário sobre suas informações, escândalos de privacidade e uso indevido de dados. | Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) , Marco Civil da Internet , Escândalo Cambridge Analytica , Jaron Lanier (“Você não é um produto, é um vício”) , dados sobre preocupação dos usuários com privacidade. |
Manipulação e Desinformação (Fake News, Deepfakes, Polarização) | Algoritmos que criam “bolhas de filtro” e “câmaras de eco”, disseminação de notícias falsas e conteúdo manipulado (deepfakes), polarização social e política, discurso de ódio. | George Orwell (“1984”) , documentário “Dilema das Redes” (Netflix) , sociólogo Zygmunt Bauman (“As redes sociais são uma armadilha”, conceito de “instituições zumbis”) , propostas de Lei contra Deepfakes (PL 145/2024, PL 146/2024) , exemplos de eleições influenciadas por fake news (e.g., EUA 2016). |
Saúde Mental e Bem-Estar (Superexposição, Ansiedade, “Brain Rot”) | Busca incessante por validação online, comparação constante com padrões irreais, cyberbullying, fadiga digital, declínio cognitivo pelo consumo excessivo de conteúdo superficial (“Brain Rot”). | Conceito de “Brain Rot” , série “Euphoria” (HBO) , série “Black Mirror” (episódio “Nosedive”) , dados do Instituto de Psiquiatria da USP sobre ansiedade/depressão em jovens , pesquisa TIC Kids Online. |
Consumo e Influência Digital | Digital influencers que moldam comportamentos de consumo, mercantilização da vida privada (“espetáculo público”), “positividade tóxica” e pressão por padrões irreais. | Dados sobre influência de influencers nas compras (73% dos brasileiros) , caso Virginia Fonseca (propaganda enganosa) , conceito de “sociedade do espetáculo” (Guy Debord) , críticas ao consumismo na era digital. |
Como isso já caiu no Enem?
Esse debate, aliás, já foi tema da redação do Enem em 2018: “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”. A proposta pedia que o estudante refletisse sobre como empresas e plataformas digitais usam os dados dos usuários para influenciar decisões — desde o que consumir até opiniões políticas. A escolha do tema mostrou que o Enem valoriza quem compreende as implicações éticas e sociais do uso da tecnologia, especialmente quando envolve a autonomia do indivíduo e os limites da liberdade no ambiente virtual.
Questão 1 – Enem PPL 2023
TEXTO I
Você vai ficar obsoleto
Vivemos numa época em que as coisas ficam obsoletas cada vez mais rápido. Produtos e serviços desaparecem substituídos por outros, como também indústrias inteiras, devoradas por formas mais eficientes de trabalho. O comportamento das pessoas também está mudando; hoje aceitamos a inovação muito mais rápido.
Você sabia que a eletricidade demorou 46 anos para ser adotada por pelos menos 25% da população norte-americana? Para o telefone foram necessários 35 anos, 31 para o rádio, 26 para a televisão, 16 para o computador, 13 para o celular e apenas 7 para a internet.
Dessa forma, tecnologia e empreendedorismo formam uma combinação explosiva que afeta os tradicionais setores econômicos, transformando modelos de negócios inteiros e acelerando o envelhecimento das coisas. Portanto, a chave para lidar com isso nos exige sair constantemente da zona de conforto. Deixar para trás o velho e abrir-se ao novo é despir-se do medo do desconhecido. É deixar-se dominar pelo entusiasmo, pela curiosidade e pela vontade de viver e fazer diferente.
SENGER, A. Disponível em: www.cloudcoaching.com.br. Acesso em: 20 nov. 2021 (adaptado).
TEXTO II
A rotina obsoleta
Ser do tempo da máquina de escrever não me assusta mais. Já é objeto de museu. De colecionador. Até seu sucessor, o computador de mesa, está com os dias contados. Tão mais prático o laptop! Mas também existe o tablet, e quem sabe o que logo mais.
É surpreendente a velocidade com que meu cotidiano se transforma. Objetos essenciais até um tempinho atrás desapareceram.
Inventa-se um dispositivo, todo mundo tem, e, dali a pouco, ele é trocado por outro, mais avançado. A velocidade da mudança supera as eras anteriores.
O próprio papel está perdendo a razão de ser. Documentos on-line são aceitos. Posso assinar um contrato por e-mail. Houve um tempo em que ter xerox de RG com firma reconhecida era um avanço. Hoje…
Quem faz xerox? Imagine, eu sou do tempo em que na escola se faziam apostilas em xerox! Hoje, a gente recebe on-line.
Parece estável? Vai sumir. A vida se torna obsoleta a cada segundo. Mas o novo vai surgir. Isso torna a vida fascinante. A realidade é deliciosamente instável.
CARRASCO, W. Disponível em: https://veja.abril.com.br. Acesso em: 20 nov. 2021.
Os textos I e II abordam a temática da obsolescência e têm em comum a:
a) expressão de uma latente nostalgia.
b) crítica à velocidade das inovações tecnológicas.
c) percepção de uma constante sensação de inutilidade.
d) opinião desfavorável a mudanças de hábitos e comportamentos.
e) perspectiva otimista diante da impermanência do mundo contemporâneo.
Questão 2 – Enem 2010
As redes sociais de relacionamento ganham força a cada dia. Uma das ferramentas que tem contribuído significativamente para que isso ocorra é o surgimento e a consolidação da blogosfera, nome dado ao conjunto de blogs e blogueiros que circulam pela Internet. Um blog é um site com acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog. Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um assunto em particular; outros funcionam mais como diários on-line. Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs, páginas da web e mídias relacionadas a seu tema. A possibilidade de leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e outros leitores é uma parte importante dos blogs. O que foi visto com certa desconfiança pelos meios de comunicação virou até referência para sugestões de reportagem. A linguagem utilizada pelos blogueiros, autores e leitores de blogs, foge da rigidez praticada nos meios de comunicação e deixa o leitor mais próximo do assunto, além de facilitar o diálogo constante entre eles.
Disponível em: http//pt.wikipedia.org. Acesso em: 21 maio 2010 (adaptado).
As redes sociais compõem uma categoria de organização social em que grupos de indivíduos utilizam a Internet com objetivos comuns de comunicação e relacionamento. Nesse contexto, os chamados blogueiros:
a) promovem discussões sobre diversos assuntos, expondo seus pontos de vista particulares e incentivando a troca de opiniões e consolidação de grupos de interesse.
b) contribuem para o analfabetismo digital dos leitores de blog, uma vez que não se
preocupam com os usos padronizados da língua.
c) interferem nas rotinas de encontros e comemorações de determinados segmentos, porque supervalorizam o contato a distância.
d) definem previamente seus seguidores, de modo a evitar que pessoas que não
compactuam com as mesmas opiniões interfiram no desenvolvimento de determinados
assuntos.
e) utilizam os blogs para exposição de mensagens particulares, sem se preocuparem em
responder aos comentários recebidos, e abdicam do uso de outras ferramentas virtuais, como o correio eletrônico.
Questão 3 – Enem 2014
NEVES, E. Engraxate. Disponível em: www.grafar.blogspot.com. Acesso em: 15 fev. 2013.
Considerando-se a dinâmica entre tecnologia e organização do trabalho, a representação contida no cartum é caracterizada pelo pessimismo em relação à
a) ideia de progresso.
b) concentração do capital.
c) noção de sustentabilidade.
d) organização dos sindicatos.
e) obsolescência dos equipamentos.
GABARITO: 1. E // 2. A // 3. A