O Inep enfrenta uma crise às vésperas do Enem 2021. Servidores pediram demissão em massa após sofrerem pressão ideológica no processo de formulação da prova. Apesar disso, as provas devem ser aplicadas normalmente nas datas marcadas.
Na primeira semana de novembro de 2021, 37 servidores públicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pediram exoneração de seus cargos. Eles alegam fragilidade técnica e administrativa na gestão de Danilo Dupas, presidente do órgão, além de tentativas de censura em questões do Enem. Ao ser questionado por jornalistas em Dubai sobre a crise no Inep, o presidente Jair Bolsonaro disse que questões “começam agora a ter a cara do governo”.
Entenda como ocorreu a demissão em massa de servidores do Inep, as tentativas de censura a questões do Enem e os pronunciamentos do presidente. Você ainda confere se a crise no Inep pode prejudicar a segurança e a integridade do Enem 2021.
Exoneração em massa e crise no Inep
Há menos de duas semanas da aplicação do Enem – que ocorre nos dias 21 e 28 de novembro –, mais de 30 funcionários do Inep pediram demissão de seus cargos. A exoneração coletiva começou com com a saída de 13 servidores, e foi crescendo até chegar a 37 funcionários.
Eles afirmam que a saída ocorreu por causa de situações de assédio moral, sobrecarga de trabalho, desmonte nas diretorias e desconsideração dos aspectos técnicos na tomada de decisões. Em entrevista ao Fantástico, alguns dos servidores ainda relataram interferência no conteúdo das questões do Enem.
De acordo com informações do G1, os servidores denunciaram sofrer pressão psicológica e vigilância velada na formulação do Enem 2021. O objetivo era para que evitassem escolher questões polêmicas que eventualmente incomodariam o governo Bolsonaro.
Além disso, os funcionários afirmam que a Equipe de Tratamento para Incidentes (ETIR), responsável por gerir imprevistos no dia da prova, não foi chamada. Isso prejudica a segurança da aplicação do Enem, pois a equipe é que resolve imprevistos que ocorrem durante o período de provas. Se falta energia elétrica em um local de prova, por exemplo, é a ETIR que planeja a solução.
A demissão em massa ocorre dias depois de dois coordenadores-gerais ligados ao Enem pedirem exoneração. Foram eles o coordenador-geral de exames para certificação do Inep, Eduardo Carvalho, e o coordenador-geral de logística da aplicação, Hélio Junio Rocha Morais.
Os servidores que pediram exoneração não ficarão desempregados, apenas deixarão os cargos de confiança que ocupavam. Até a publicação da exoneração no Diário Oficial da União, eles devem continuar à disposição para cumprir suas atribuições. Depois disso, poderão seguir para as posições que conquistaram através de concurso público.
Censura no Enem
Um dos relatos mais graves dos funcionários ao Fantástico – e que causou a crise no Inep – é a censura ao conteúdo do Enem. O pedido de alteração do conteúdo da prova partiu de Anderson Oliveira, diretor de avaliação da educação básica. De acordo com os servidores, Oliveira fez a leitura das questões e solicitou alterações em mais de 20 questões, o que compromete a confidencialidade da prova.
Os conteúdos das questões eram sobre o contexto sociopolítico e socioeconômico do Brasil, principalmente do período dos últimos 50 anos. Os servidores ainda ressaltam que, do ponto de vista técnico e pedagógico, não havia motivos para a remoção das questões.
Reelaborações da prova
Dessa forma, a equipe foi obrigada a reformular a prova. No entanto, a retirada dos itens solicitados acabou por alterar o nível de dificuldade da prova e a nota máxima seria diminuída. Por isso, os servidores elaboraram uma 3ª versão para reequilibrar o nível de dificuldade. Nesta nova versão, que deve ir para a aplicação, houve a reinserção de alguns itens que haviam sido excluídos.
Relembrando que a prova do Enem possui 180 questões. As perguntas são elaboradas por professores selecionados em edital. Elas são pré-testadas em escolas e universidades selecionados pelo Inep e depois vão para o Banco Nacional de Itens. A partir do banco, a equipe técnica do Inep seleciona as questões de acordo com seus níveis de dificuldade.
O processo de elaboração dos cadernos de questões ocorre no chamado “ambiente seguro”. De acordo com informações dos servidores, há vários níveis de segurança para adentrar o local. No espaço há um scanner que impede a entrada de qualquer objeto de metal. Além disso, existem câmeras que vigiam todo o ambiente.
Interferência externa
Outro episódio que desencadeou a crise no Inep foi a entrada de um policial federal no “ambiente seguro”. Isso ocorreu no dia 2 de setembro, quando as provas estavam em fase final de elaboração. Os servidores reclamam que, como não há justificativa para um policial ter acesso antecipado às questões, a ação causou intimidação.
Um dos funcionários entrevistados pelo Fantástico questionou:
“O Inep precisa explicar como essa pessoa foi parar lá dentro, quem autorizou a entrada, o que ele fez, que nível de controle a gente tem das informações que ele acessou lá”.
Declarações de Bolsonaro após a crise no Inep
No dia 15 de novembro, Bolsonaro afirmou que “começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem”. Também disse que “Ninguém precisa ficar preocupado. Aquelas questões absurdas do passado, que caíam tema de redação que não tinha nada a ver com nada. Realmente, algo voltado para o aprendizado.”
As declarações foram feitas a jornalistas que o questionaram na Expo 2020 em Dubai na última segunda-feira (15/11). Ele também disse ter conversado rapidamente com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que garantiu a realização do exame. Além disso, mesmo que a saída dos funcionários tenha sido motivada por pressão psicológica, Ribeiro classificou como “absurdo” o montante de recursos públicos destinado ao pagamento desses servidores.
Os impactos no Enem 2021
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a exoneração dos servidores não deve impactar a aplicação do Enem, que vai ocorrer normalmente nas datas marcadas. No entanto, especialistas afirmam que ainda não há como prever os impactos nas provas.
Em entrevista ao G1, o ex-presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, demonstrou preocupação quanto à segurança na aplicação do exame:
“Tudo pode acontecer no dia da prova, desde queda de energia até falta de prova em alguma escola, por exemplo. Essas coisas acontecem e é preciso ter uma equipe de logística lá [no Inep] para resolver isso, e com as recentes demissões, não sabemos como essa equipe está”.
Em entrevista ao Uol News, a idealizadora do Enem e ex-presidente do Inep, Maria Inês Fini, se pronunciou sobre as declarações de Bolsonaro de que as questões vão ter “a cara do governo”.
“Baseado em quê ele fez essa afirmação? Alguém vai ter que dizer o fundamento dessa afirmação. Tem que ter apuração jurídica”, disse Fini.
Ela avalia que o Inep precisa de maior autonomia em relação ao governo federal. Fini defende que os cargos de chefia sejam preenchidos por pessoas qualificadas e com experiência na área da educação e estatísticas. Isso porque é partir dos exames aplicados pelo Inep que são construídos os dados utilizados em políticas públicas.
“Há um contínuo e crescente movimento de desmanche do Inep. Precisa de independência, não pode ficar nas mãos de nomeações de pessoas que podem ter perfil profissional espetacular para empresa, mas não produz trabalhos fundamentais para políticas educacionais”, afirma.
Por fim, Maria Inês Fini acalma os estudantes sobre o conteúdo das provas. Ela aponta que itens foram excluídos, mas que novos não foram acrescentados. Tudo que vai cair no Enem é proveniente do Banco Nacional de Itens.