GTA: o que esse jogo tem a ver com sociologia e Enem?

Descubra como GTA pode ser usado para entender temas como desigualdade, economia informal e o 'sonho americano'.

Quando você pensa em GTA, provavelmente lembra de perseguições, tiroteios, carros tunados e muita ação, certo?

Mas e se eu te dissesse que, por trás de toda essa adrenalina, o jogo também funciona como uma miniatura da nossa sociedade — com desigualdade social, mercado informal, status e até crítica política?

GTA é muito mais que diversão. Ele pode ser um ótimo ponto de partida pra pensar temas que aparecem direto nas provas de humanas. Bora olhar esse universo com outros olhos?

Antes de tudo… o que é GTA?

GTA, sigla para Grand Theft Auto, é uma das franquias de videogame mais populares — e polêmicas — do mundo.

Lançado pela primeira vez em 1997, o jogo se passa em cidades fictícias inspiradas em metrópoles reais, como Los Santos (baseada em Los Angeles), Liberty City (em Nova York) e Vice City (em Miami). A grande sacada está na liberdade: o jogador pode explorar um mundo aberto e dinâmico, realizando desde tarefas simples até assaltos, confrontos com a polícia e negócios ilícitos.

Essa mistura de ação, crítica social e possibilidades quase infinitas ajudou a tornar a franquia um fenômeno cultural. E a expectativa só aumenta: mais de 10 anos depois de GTA V, o tão aguardado GTA VI já tem data para chegar — maio de 2026. A nova versão promete uma Vice City repaginada, ainda mais viva e realista, com dois protagonistas carismáticos: Lucía, uma ex-detenta, e Jason, seu parceiro no crime. Uma dupla que já está dando o que falar e que promete trazer, além de ação e drama, novas camadas de crítica ao chamado “sonho americano”.

Economia virtual de GTA: entre capital fictício e lógica real

No universo de GTA, tudo gira em torno do dinheiro. Mas esse capital virtual não é apenas um recurso de jogo: ele representa o poder simbólico que Pierre Bourdieu identificava como parte do “capital econômico” — aquele que permite acesso a outros tipos de poder, como o simbólico, social e cultural.

Oferta, demanda e mercado paralelo

A lógica de mercado do jogo — com escassez, especulação, compra e venda de bens, inclusive ilegais — é um exemplo claro de economia informal, algo discutido por pensadores como Hernando de Soto. Ele argumenta que, em contextos de exclusão social, muitos indivíduos recorrem a sistemas econômicos paralelos como forma de sobrevivência.

Em GTA, vender carros roubados ou realizar assaltos é um reflexo disso: quando o sistema formal falha, a informalidade ocupa o espaço.

A crítica ao neoliberalismo disfarçada de jogabilidade

A constante busca por lucro e sucesso individual em GTA também remete à lógica neoliberal que Zygmunt Bauman criticava: a ideia de que todos são responsáveis pelo próprio sucesso ou fracasso, ignorando estruturas de desigualdade e exclusão.

“Sonho americano” e mobilidade social: a crítica por trás da narrativa

Em várias narrativas de GTA, a ideia de “subir na vida” está sempre presente. CJ, em San Andreas, volta para casa após a morte da mãe e tenta reconstruir sua vida no meio do caos. Franklin, em GTA V, sonha com uma vida melhor longe da periferia e das gangues. Michael, ex-criminoso aposentado, tenta manter sua fortuna e sua família em meio a um colapso pessoal. Todos, à sua maneira, estão em busca do tal “sucesso” — mesmo que isso envolva cortar caminhos.

Essa é a versão GTA do “sonho americano”: a crença de que, com ambição e esforço (ou trapaça), qualquer um pode sair do nada e conquistar tudo. Mas o jogo não vende esse sonho como algo puro ou inspirador — ele mostra o lado distorcido da meritocracia, onde vencer nem sempre tem a ver com talento ou trabalho honesto, mas sim com astúcia, violência e oportunismo.

📚 Aqui vale lembrar de Pierre Bourdieu, que questiona a ideia de que todos têm as mesmas chances de vencer. Para ele, a sociedade é estruturada a partir da distribuição desigual de diferentes capitais: o econômico (dinheiro), o cultural (conhecimento, escolarização), o social (redes de contato) e o simbólico (prestígio). Em GTA, personagens com mais acesso a esses capitais — como Michael, que já tem dinheiro e contatos — têm vantagem desde o início. Já outros, como Franklin, precisam se arriscar muito mais para alcançar algo próximo disso.

No fundo, GTA provoca uma pergunta incômoda: será que a mobilidade social é realmente possível, ou o sistema favorece quem já começa alguns degraus acima?

Desigualdade social escancarada: os contrastes de Los Santos

Basta dirigir por Los Santos por alguns minutos para perceber: o mapa é dividido não só por ruas, mas por classes sociais. De um lado, bairros nobres como Rockford Hills e Vinewood — cheios de mansões, carros de luxo e lojas caras. Do outro, as áreas periféricas como South Los Santos, com casas simples, pichações, gangues e policiamento ostensivo. A ambientação de GTA não esconde: a cidade é profundamente desigual.

Essa divisão territorial carrega um subtexto histórico urbano. Em cidades reais, tanto nos EUA quanto no Brasil, os espaços foram organizados ao longo do tempo com base em critérios econômicos, raciais e políticos. Um exemplo claro disso no contexto norte-americano são as políticas de redlining, que barravam investimentos em bairros negros, ampliando a desigualdade. Já no Brasil, o processo tem outras raízes, mas efeitos semelhantes.

Morro da Previdência, considerada a primeira favela brasileira, fica localizada no bairro da Gamboa, na Zona Central da cidade do Rio de Janeiro. (Foto: Reprodução)

Durante o período de industrialização acelerada, nas décadas de 1930 a 1970, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte atraíram milhares de trabalhadores do campo em busca de oportunidades. Sem políticas públicas adequadas de habitação, essas populações ocuparam áreas periféricas, geralmente mal urbanizadas e afastadas dos centros. Foi assim que surgiram as favelas e os bairros populares, muitas vezes estigmatizados e deixados à margem do planejamento urbano.

Esse histórico gerou uma estrutura de cidade onde o CEP determina o acesso à educação, saúde, transporte e segurança. GTA retrata isso com nitidez: o território influencia como os personagens vivem, se locomovem e até como são tratados pelas autoridades. A desigualdade territorial de Los Santos é, nesse sentido, uma caricatura da geografia social urbana que muitos brasileiros conhecem de perto.

Assim, ao explorar a cidade no jogo, o jogador se depara com algo que é mais do que cenário: é uma representação crítica das barreiras invisíveis que separam classes sociais no espaço urbano.

Crime, mercado negro e Estado ausente

Em GTA, o crime não é um desvio isolado. Ele é parte do funcionamento da cidade. Desde as primeiras missões até os grandes assaltos organizados, o jogo mostra como o mercado negro movimenta a economia paralela — drogas, armas, carros, contrabando. Mas, por trás da adrenalina, há uma crítica estrutural: o crime, muitas vezes, surge onde o Estado falha.

Essa ideia é explicada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, que via o crime não apenas como um mal, mas como um reflexo de uma sociedade em desequilíbrio. Em contextos onde há desigualdade extrema, falta de acesso a direitos básicos e poucas oportunidades legítimas de ascensão social, o crime se torna, para alguns, uma das únicas rotas possíveis. Em GTA, esse cenário é representado por personagens que vivem à margem do sistema, como Franklin em GTA V, que busca sair da vida criminosa, mas encontra barreiras constantes no caminho “certo”.

Na prática, vemos em Los Santos (e em muitas cidades reais) o retrato de um Estado ausente em regiões periféricas. A precariedade na educação, na saúde, no saneamento e na segurança abre espaço para a atuação de grupos paralelos, como gangues e organizações criminosas. Essa dinâmica é bastante próxima do que acontece em algumas favelas brasileiras, onde o tráfico muitas vezes substitui o Estado, oferecendo desde proteção até assistência básica à população.

Além disso, a lógica do mercado negro em GTA obedece às mesmas regras econômicas que qualquer outro setor: oferta, demanda, concorrência, risco. O jogo, ao naturalizar essas transações ilícitas dentro de uma economia funcional, acaba nos forçando a refletir: onde começa e termina a legalidade quando o sistema todo é desigual?

Ao trazer esses elementos para o centro da narrativa, GTA escancara uma realidade desconfortável — a de que o crime, longe de ser apenas uma escolha individual, pode ser também um sintoma social, causado por falhas estruturais e ausências históricas de políticas públicas.

Sátira e crítica social: o subtexto por trás da violência

Por trás do humor ácido e da violência estilizada, GTA traz uma forte crítica à sociedade contemporânea. O jogo satiriza:

  • A mídia sensacionalista, que banaliza a violência;
  • A corrupção política, com personagens que representam o colapso das instituições;
  • A superficialidade da cultura de celebridades, onde fama importa mais que caráter.

Essa crítica conecta-se a autores como Guy Debord, que fala sobre a “sociedade do espetáculo”, onde a aparência vale mais que a essência — uma ideia refletida nos ambientes e personagens hiperbólicos de GTA.

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Luana Santos

Jornalista formada pela UFSC e redatora da Rede Enem
Categorias: Atualidades Enem
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